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24
FEV
2015

Crise hídrica não é só escassez, diz coordenador da ONG ActionAid

Mais de um bilhão e meio de pessoas no mundo já vivem há tempos uma rotina de escassez de água, possibilidade que anda apavorando brasileiros da Região Sudeste. Com lata na cabeça, esses cidadãos costumam percorrer quilômetros até o poço mais próximo para se abastecer e, o que é ainda mais devastador, muitas vezes consomem água contaminada por dejetos humanos. Um cenário que torna nossa crise hídrica, que ainda não chegou às torneiras, quase diminuta. Mas refletir sobre o processo que pode levar a uma situação tão dramática é importante, até para que se possa cimentar o caminho de maneira diferente.

Antes do carnaval conversei sobre esse assunto com o responsável pelo setor de agricultura sustentável da ONG Action Aid, o agrônomo Celso Marcatto. Ele está em Johannesburgo, na África do Sul, cidade que também está passando por uma série crise de escassez de água, com racionamento que chega a cinco dias em alguns lugares. Para ele, este é, de fato, o problema do século. Mas que não começa na falta de árvores nem no planejamento urbano: é isso e muito mais. Tem a ver também com as mudanças climáticas, com o pouco caso que governantes e cidadãos comuns têm dado ao fato. Sendo assim, na ponta da cadeia da crise hídrica está, até mesmo, o consumismo.

Marcatto aceitou também meu convite para contar como é possível lidar com o problema usando criatividade e sem muitos recursos financeiros. Abaixo, a entrevista.

Qual o seu trabalho central na ActionAid?

Celso Marcatto – Minha área de trabalho é agricultura resiliente ao clima, que leva em consideração as mudanças climáticas. É dar suporte em 36 países para que eles consigam uma agricultura sustentável. Viajo muito e visito muitos países. Para você ter uma ideia, saí do Brasil há cerca de três semanas, fui ao Haiti, vim aqui para Johanesburgo, vou para o Zimbábue e depois volto ao Brasil.

Quero refletir sobre a crise hídrica de maneira mais ampla. Há no mundo hoje, segundo dados da ONU, mais de um bilhão e meio de pessoas que já vivem uma rotina de escassez de água há tempos. Qual a origem disso?

Celso Marcatto – Não temos dúvida de que a água é o problema deste século, causado em parte pelas mudanças climáticas. Em todos os países onde atuamos há comunidades que estão sofrendo, em algum momento, problemas com água. Mas não é só a seca. Eu incluo nessa lista as enchentes, os deslizamentos de terra, causados por eventos extremos ligados ao clima, e a qualidade da água. Porque às vezes se tem água que pode ser consumida mas ela está contaminada com dejetos humanos, e isso dá para perceber pela cor, pelo cheiro. É uma situação que se vive em vários países.

Há países que já estão em situação de emergência por causa da água?

Celso Marcatto – Aqui em Johanesburgo estamos numa escassez muito séria, já está se falando em racionar, ficar cinco dias sem água. Nada muito diferente do que São Paulo, Rio, Belo Horizonte e outras cidades brasileiras. Mas estamos trabalhando com emergência mesmo em três países africanos, só que não é por conta de escassez, mas de enchentes: Zimbábue, Malauí, Moçambique. Houve uma inundação forte há umas três semanas, as pessoas perderam casas, sementes, animais, enfim, seu meio de vida.

A escassez, as enchentes, os deslizamentos... tudo isso está ligado às mudanças climáticas?

Celso Marcatto – Sim, está. É claro que no meio do processo você tem a estupidez e ineficiência de governantes, por exemplo, de prever e preparar as cidades para acumular água e de reparar o problema que faz com que 37% da água tratada vazem nos canos velhos antes de chegarem à casa das pessoas aí no Brasil, por exemplo. Não vamos considerar o "gato" como perda, já que se supõe que alguém está fazendo isso para beber, então... Mas, tirando tudo isso, o problema da água é causado pelas mudanças climáticas. O clima está se comportando de uma forma que os agricultores, alvo do meu trabalho, não entendem mais. Tudo é possível: muita chuva ou seca.

Dos países onde você trabalha, quais os que estão sendo mais afetados?

Celso Marcatto – Alguns países têm condições de se defender, implementar medidas de adaptação, outros não têm, e é nesses que mais atuamos. Bangladesh, na Ásia, tem riscos sérios de inundações em 70% de sua área agricultável. E durante as monções tem inundações crônicas. O solo dele até depende dessa inundação porque traz fertilidade, mas o problema é que elas estão ficando mais frequentes e sérias e isso afeta a situação alimentar. As partes baixas do Vietnã, Camboja, Myanmar, Índia. E países da África, como Nepal. As regiões montanhosas da China também já estão sofrendo problemas sérios como deslizamentos de terra por conta de chuvas frequentes.

A contaminação da água doce e da terra pela água do mar já vem afetando alguns países também. Há alguma técnica capaz de lidar com isso?

Celso Marcatto – Sim, isso já está acontecendo também no Senegal, em duas ilhas que já não podem mais plantar alimentos. Nós, da ActionAid, estamos trabalhando com alternativas, identificando uma qualidade de arroz que depende menos de água e que seja mais tolerante ao sal. Além disso, estamos tentando levar algumas plantas que conseguem remover o sal do solo. É claro que elas não funcionam como uma bomba, mas são ricas em proteína e podem ser uma boa fonte de alimentos para ovelhas e cabras, por exemplo. Ao mesmo tempo, estamos tentando introduzir algumas técnicas para produção de vegetais que não tenham contato com o solo.Como se faz isso?

Celso Marcatto – Pega um saco desses grandes, de farinha, enche de terra e planta nele. Ou pega um pneu e faz a mesma coisa. Mas tem que ir em outro lugar para pegar a terra porque se for usar a terra dali tem que lavá-la e isso é ruim porque perde muitos nutrientes. Mas tem outros lugares também onde a salinização da água doce é muito grave, por exemplo, no Gâmbia.

Aqui no Nordeste do Brasil, a Região do Semiárido está lidando melhor com a seca depois que foram introduzidas as cisternas rurais (veja aqui). Esse recurso é usado em outro lugar?

Celso Marcatto – Sim, estamos usando as cisternas de placas no Senegal, é a mesma tecnologia usada pelo pessoal da ASA (Articulação no Semiárido Brasileiro). É claro que vai ter sal por causa do vento, mas numa concentração muito menor. Outro jeito de armazenar água, e que é mais barato, é abrir um buraco no chão, colocar um saco plástico preto, resistente, e fazer uma lagoinha. Tem que cobrir. É essa a ideia, e imagino que tenha muitas universidades no primeiro mundo que possam ajudar, com mais tecnologias. Em alguns lugares estamos tentando implementar barragens para controlar a entrada de água salina no período das cheias. É uma alternativa que está sendo testada.

Isso me fez lembrar a Holanda. Estive lá em 2011, fui chamada pelo governo para mostrar a mim e outros jornalistas do mundo o que o país está fazendo para se adaptar às mudanças climáticas. Uma das tecnologias implementadas foi a instalação de um mega portão no Mar do Norte para impedir a entrada de água em Roterdã. A questão é que lá eles têm dinheiro bastante para fazer esse tipo de tecnologia. Os países pobres estarão sempre atrás por falta de recursos, não acha?

Celso Marcatto – Não podemos desprezar o que temos de mais bonito, que são as pessoas. Parece até que quanto mais pobres, mais força e vontade de viver elas têm. Além disso, nós da ActionAid quando ajudamos a construir um banco de sementes, por exemplo, não é só porque há risco alimentar na região, mas é porque queremos construir alternativas que possam ser usadas como fonte de inspiração para a construção de políticas públicas. O que a gente quer que aconteça é o que aconteceu com as cisternas de placas, que foram criadas por um pedreiro e viraram um programa nacional ao qual o governo dá suporte. Mas, sim, precisamos de dinheiro para adaptação dos países pobres.

Nesse sentido, já tem o Fundo Verde, que está com US$ 9 bilhões (veja aqui). Acha que é uma boa medida?

Celso Marcatto – O que se quer é que cada país produza as suas próprias alternativas, sem esperar que esse conjunto de países que fazem parte da Conferência (a COP-21, que vai acontecer em Paris no fim deste ano) apontem a solução. O ideal seria que os países que mais vão sofrer os impactos das mudanças climáticas tivessem condições de construir suas alternativas e, sim, existindo esse dinheiro é ótimo. Esse é o caminho. A ActionAid está lutando por isso, estamos presentes em todas as conferências.

Fonte: 19/02/2015 - G1.com.br - Amelia Gonzalez
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